quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre médicos cubanos, validação de diplomas e conselhos federais.

Algumas considerações iniciais:

1 - Tenho amigos médicos. Acho que metade deles são filhos de médicos. Alguns não passaram em vestibular por aqui e foram para fora do país fazer medicina. Voltaram com diplomas da Colômbia, Venezuela, Argentina, Rússia. Fazem residências com seus pais ou com amigos dos pais e revalidam o diploma por aqui. E tudo isto parece ótimo. Agora que os médicos importados não são filhos de médicos aparecem reclamações. Me parece contraditório.

2 - A livre concorrência e o estado neo-liberal era bacana quando os médicos criaram a Unimed como uma alternativa ao SUS mas se tornou ruim quando o estado decidiu importar mão de obra estrangeira para concorrer com eles. Como se o problema fosse a importação e não a qualidade do serviço. Como se estes médicos fossem extremistas nacionalistas que não compram produtos importados para proteger a qualidade da indústria nacional. Me parece contraditório.

3 - Sou doutorando em ciência da computação. Na minha área não tem Conselho Federal. Qualquer um pode fazer software. E fazem. E boa. Já tentaram criar um conselho para esta área e eu sou contra. Sou contra a reserva de mercado. O mercado costuma saber diferencias bons profissionais de maus profissionais e ninguém precisa de papel para trabalhar. Como analista eu já desenvolvi software para a área médica. Mais de uma vez. Nenhum médico me perguntou se eu era formado. Parece que ter diploma só importa para a medicina. Só que estes mesmos médicos usam em seu dia-a-dia software feito por analistas que não são necessariamente formados. Me parece contraditório. 

4 - Programadores preocupados com a qualidade e o custo de software criam projetos open source. É o apoio direto a projetos de inclusão digital. Software gratuito, criado e mantido por comunidades. Estas mesmas comunidades se preocupam em documentar, criar tutoriais, blogs, fóruns, mailing lists. Tudo aberto e disponível para qualquer pessoa que quiser aprender. Não é apenas desenvolvimento de produto mas criação de massa crítica e conhecimento. Recentemente li que os médicos acham ruim a quantidade de informação que existe na Internet pois os pacientes estão se informando demais e muitas vezes se informando errado. A reportagem não mencionava nenhuma iniciativa coletiva e gratuita para melhorar a massa crítica. Me parece contraditório.

5 - Comunidades Linux fazem Linux install fest. Grupos de analistas e estudantes de computação se juntam em espaços públicos como universidades para ajudar leigos a instalarem Linux. De graça. Que tal uma Saúde install fest? Médicos e estudantes oferecendo gratuitamente seus serviços em espaços públicos? Enquanto não rolar iniciativas populares, todo este discurso de importação de médico cubano irá ser para mim contraditório.

Dito isto eu me pergunto:  Seria esta uma boa oportunidade do CFM criar um teste para médico? A OAB já faz isto há algum tempo e acho que não preciso me alongar explicando isto. Seria esta a solução? Será que os demais Conselhos Federais seguirão estes passos? Sei que vou parecer contraditório mas acho uma boa e explico.

Primeiramente, uma informação. A UEM tem infra-estrutura suficiente para ter mais de 60 alunos no curso de medicina. Ela mantém o curso com menos da metade destas vagas pois o CRM não aprova a ampliação do curso. HÃ? Sim, o CFM regula a quantidade de cursos de medicina no Brasil e até a quantidade de vagas em cada curso.

Vamos ao que penso ser melhor do que a intervenção destes conselhos nas universidades.

Passo 1 - Como professor universitário eu vejo a universidade sendo responsabilizada pela formação do profissional do mercado. Para ser engenheiro é necessário ter CREA mas para ter CREA é necessário ser bacharel em engenharia. E isto basta. E é assim para odontologistas, arquitetos, médicos, farmacêuticos, administradores, contadores, .... Ora, vamos criar uma prova nacional, como o exame da OAB para todas as profissões regulamentadas. Quer ser médico, não basta ser bacharel em medicina mas tem que passar na prova. Os Conselhos federais e regionais organizariam, como a OAB faz, uma prova para garantir a qualidade do profissional e pronto. Claro que isto tudo seria feito sob a supervisão do ministério responsável pela área como o Ministério da Saúde.

Passo 2 - Se a prova garante a qualidade do profissional, pra que exigir que ele seja bacharel? Porque eu não posso fazer uma prova da OAB? Sei que não teria hoje chances nenhuma de passar mas poderia estudar em casa, com amigos, no exterior, pela Internet, em cursos profissionalizantes ou coisa assim. Estudo, faço a prova e me torno médico, enfermeiro, engenheiro, dentista, advogado ou qualquer coisa. Sem precisar ser bacharel. Diga-se de passagem é assim para o CRECI e para a OAB nos EUA. Faz a prova, se passar, é profissional.

Onde isto nos levaria?

As universidades deixam de ser responsáveis por formar profissionais e podem se focar em criar massa crítica, pesquisadores, professores. Tem grana, paga um curso pois a universidade não vai garantir seu ingresso no mercado. Deixe a universidade para quem quer estudar. Vários cursinhos surgiriam para atender o mercado e os mesmo não precisariam ser regulamentados pelo MEC. Damos outro nome para isto e mantemos os nomes Universidade e Faculdade para a formação de bacharéis. Será que o vestibular de medicina continuaria sendo o mais concorrido?

Outro resultado óbvio é o achatamento da faixa salarial destas profissões e demais profissões. Primeiro eu mostro a cobra mordendo o próprio rabo.

Porque um médico tem que ser rico? Porque são raros? Porque são raros? Pois se formam poucos. Porque se formam poucos? Pois há poucas vagas para medicina. Porque tem poucas vagas para medicina? Pois o CFM acha que os médicos tem que ser rico.

Voltemos ao achatamento. Por mais que o exame da OAB limite a quantidade de advogados no Brasil, garantindo a reserva de mercado, este limite já é imposto pela quantidade de cursos de direito em universidades do Brasil. E é isto o que limita todas as profissões. E é isto que faz todos os profissionais de áreas que exigem curso superior ganharem mais que um profissional não formado. O problema social do Brasil é limitado pelo acesso limitado a universidades. Bem, e se 1 milhão de brasileiros estudarem, fizerem a prova e passarem no exame da OAB? A quantidade de profissionais no mercado deveria ser limitada pela demanda e não pelos conselhos.

Certo, e se ninguém mais se matricular para o vestibular pois a universidade não é mais necessária? Bem, feche as universidades. Eu deixarei de ser professor e vou vender água de coco na praia. Não é má ideia mas acho que não iria acontecer. Faço questão de lembrar que, em ciência da computação não é necessário diploma e mesmo assim eu sou professor. Acho que não vou ter que vender coco. Quanto aos outros cursos, espero que eles continuem existindo. Deve ter algo que eles possam fazer pelo cidadão que não seja garantir um papel de um Conselho Federal...


Retirado de um post no facebook que contou com comentários de vários colegas que aumentaram e melhoraram a discussão.